Assunto: Liderança e Cultura                                                             Tempo de leitura: 08 minutos

Em uma viagem de 6 meses pelo sul e sudeste asiático em 2019, pude consolidar muitos conceitos, valores e conhecimentos aos quais me dediquei nos últimos 15 anos para meu autodesenvolvimento. Depois de um ano da viagem, analisando como todo esse aprendizado poderia ser aplicado às organizações e seus colaboradores a fim de tornar as pessoas mais felizes, as relações mais saudáveis, e as empresas mais produtivas e rentáveis, relacionei os seguintes temas, que resumem como foi essa experiência e como podemos direcionar a filosofia oriental para o mundo organizacional.

Mude a perspectiva

Algo muito marcante nesta imersão cultural foi que as pessoas me perguntaram “Como eu estava me sentindo naquele lugar?”. Essa pergunta realmente muda toda a forma de perceber um lugar. Já que sentir não passa pelas intervenções de nossa mente com julgamentos do que é certo ou errado, bom ou ruim, feio ou bonito. Sentido, você realmente capta o que de real está acontecendo no lugar e com as pessoas.

Ter uma leitura não do que você pensar, mas como você se sente, faz com que você amplie a perspectiva e permita uma visão mais sistêmica e adequada onde está, com quem conversa e o que realmente está acontecendo. Ao escolher ouvir não exclusivamente com a razão, mas acolher os sentimentos e as sensações da outra pessoa em uma conversa com um colega ou pessoa da equipe que lidera, a conversa será mais humana e também resolutiva.  

Este posicionamento proporcionará maior foco e entrega ao dialogar com as pessoas, o que tornará mais produtivas as interações do cotidiano, já que você conseguirá observar o real objetivo e intenção do porque a pessoa quer conversar. Deste modo você acaba sendo mais assertivo no acolhimento da dificuldade da outra pessoa e nas contribuições para a solução de problemas e tomada de decisão.

Enfrente as adversidades

Para os vietnamitas a frase de Jean Paul Sartre “Não importa o que fizeram com você, o que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.”, nunca fez tanto sentido. Para quem não conhece o Vietnã é um país que foi invadido diversas vezes por diferentes povos como mongóis, chineses, franceses e mais recentemente americanos. O que lhes confere uma história de muita dor e sofrimento que pode ser vista até hoje pelos milhares de túmulos que se espalham por todo o território, especialmente entre as plantações de arroz.

Contudo o que você menos vê são pessoas sofrendo ou se vitimizando pelo que passou, mas sim com um sorriso e satisfação com a vida que tem hoje. Isso nos ensina que devemos seguir adiante independentemente do que lhe fizeram, devemos ter uma atitude protagonista assumindo a nossa parcela de responsabilidade. Porque você pode até não ser o culpado pelo chefe que tem, pelos amigos que convive, pela escolaridade que possui, mas continuar e perpetuar esta situação em que você vive hoje é de sua total escolha e responsabilidade.

Além de uma postura pessoal e profissional de auto responsabilização, podemos estender esse comportamento para como enfrentamos os obstáculos em nossas empresas, e o ditado “Águas passadas não movem moinhos.” e complementar a esse posicionamento inspirado a uma filosofia de vida mais protagonista. Pois nada contribui para enfrentar os problemas que surgem, fazendo um caça às bruxas ou procurando culpados. Esse comportamento somente demanda mais tempo para encontrar a solução para os problemas.  

Para superar as dificuldades com menor custo e maior velocidade é imprescindível incluir uma nova atitude e conduzir do seguinte modo:

  • Tenha uma perspectiva da situação atual. Lembre-se que os SE`s (“Se tivesse visto antes” ou “Se tivesse feito a melhoria”), não resolvem os problemas;
  • Analise o passado com uma visão de querer entender, como o problema aconteceu e não porque aconteceu ou identificando culpados. Recordando que não são as pessoas a causa do problema, mas que condições propiciaram que a pessoa errasse;
  • A partir de uma equipe multidisciplinar com envolvimento direto e indireto identifique quais são as opções de solução do problema;
  • Considere as condições e recursos que existem disponível neste momento;
  • Avalie e decida a melhor alternativa com base nos recursos disponíveis e soluções construídas.

Tudo tem seu tempo para acontecer

Algo muito visível foi ver o respeito que os butaneses e os laocianos têm pelo tempo. É como se você estivesse em um lugar onde tudo tem o seu tempo e lugar certos para acontecer e, o mais importante, todos que vivem nestes lugares parecem viver essa sincronicidade. Essa forma de viver a vida é proporcionada pela forma como vive esse povo, já que para os laocianos o barco é seu principal meio de transporte cuja velocidade é determinada pela correnteza. Para os butaneses o respeito à natureza está relacionado à viverem em uma geografia de vales separados por montanhas dos Himalaias somado a altitude acima dos 3.000 metros.

Como também a ocupação destes dois povos principalmente, com trabalhos manuais como a agricultura, pesca, pecuária e artesanato que possibilitam estarem conectados aos ciclos da natureza, tanto os mais curtos como o dia e a noite, quanto os mais longos como nascimento, crescimento, reprodução, doença e morte. Essa condição de vida desenvolve o aprendizado e a maturidade de respeitar o tempo que as coisas precisam para acontecer e não quando queremos que aconteçam.

Aplicando essa filosofia nas nossas empresas e no nosso dia-a-dia, podemos compreender que devemos estar atentos a nossa agenda e aos acontecimentos e não colocando a carroça na frente dos bois. Já que muitos problemas em projetos de produtos, por exemplo, acontecem em decorrência de não existir um respeito à ordem e ao fluxo de elaboração.

Proveniente na sua maioria de uma ausência de planejamento que precisam ser mais adequados e apurados a realidade de cada mercado. Como também um maior comprometimento e envolvimento das pessoas ao cumprimento dos prazos ou redefinição com a devida antecedência e previamente acordado com todos os envolvidos.

Podemos estender isso para a nossa agenda.  Você está considerando tempos de deslocamento até a reunião que começa às 15:00 ou ás 15:00 horas você começa a se organizar para ir à reunião? Você está incluindo somente compromissos profissionais ou está reservando tempo também para assuntos pessoais? Incluir em sua agenda o que acontece antes e depois dos compromissos profissionais e reservar espaços para os cuidados pessoais, como intervalos para alimentação, descanso, exercícios e leitura por exemplo, são formas de respeitar o tempo para que os resultados positivos surjam como consequência das nossas ações pensadas e organizadas conscientemente.

Fazer o bem pelo bem

Nos meses que passei na região da Indochina, foi possível ver que as pessoas são generosas umas com as outras, não somente pelo ritual matinal de doarem alimentos e dinheiro para os monges, mas principalmente por quererem o bem pelo bem e nada mais.

E se pensar um pouco não existe nada melhor do que fazer o bem pelo bem, o certo porque é certo, o justo por ser justo e ser verdadeiro com a outra pessoa, porque quando temos atitudes autênticas com os outros somente estamos sendo sinceros com nós mesmos é isso que realmente faz a diferença em nossa vida e na vida dos outros.

Uma das melhores formas de criar essa proximidade, empatia é querendo o bem-estar das outras pessoas e, é o que Parker Palmer, escritor e educador, menciona:

“Quanto mais você sabe sobre a trajetória de outra pessoa, menor a possibilidade de se desconfiar ou de não gostar dela.”.

Então criar momentos de proximidade a partir do diálogo direcionado como troca de histórias pessoais, momento de agradecer por alguém do grupo que o ajudou ou por algo que aprendeu ou compartilhar algo bom e novo que aconteceu nos últimos dias, faz com que a confiança e as relações se fortaleçam. Cultivar ambientes que possibilitem essa troca, tem como consequência uma diminuição da resistência e barreiras psicológicas entre as pessoas.

O que com o tempo proporcionará uma maior integração criando as condições necessárias para que as pessoas tenham uma maior troca e sinergia, proporcionando um ambiente onde novas ideias e soluções surjam de modo mais espontâneo e o aperfeiçoamento e inovação dos processos de trabalho e produtos e serviços para os clientes se concretizem, além de contribuir para a melhora do clima organizacional.

O mais importante são as pessoas

Há muito tempo o trabalho deixou de ser uma troca exclusiva de tempo por dinheiro e passou a ser algo que tem que proporcionar um significado, um senso de finalidade do porque eu faço o que eu faço. Devido a essa mudança de valores do que representa o trabalho para as pessoas, a relação delas com as empresas também mudou, o que impactou diretamente no nível de comprometimento das pessoas com os resultados das organizações.

Então como podemos construir esse vínculo e engajamento dos colaboradores com as empresas?  Uma das respostas, encontrei na Índia. Uma das experiências marcantes foi vivenciar como os indianos se relacionam uns com os outros e como eles se relacionaram comigo e minha esposa, pois sempre existia uma intenção de querer que estivéssemos bem. Isso se materializava sempre quando ouvimos a seguinte frase 

“If you’re happy, I am happy.” traduzindo “Se você está feliz, eu estou feliz.”.

Essa frase não era somente da boca para fora, mas algo que era coerente com a atitude e comportamento das pessoas.  Demonstrando um real interesse pelo ser humano, reconhecendo que existem ao seu redor pessoas tão importantes quanto você e querer que elas estejam tão bem quanto você está. Isso nos proporcionou um ambiente muito acolhedor e seguro, o que facilitou substancialmente a nossa disposição em querer conhecer cada vez mais lugares e nos relacionarmos com mais pessoas, o que tornou a experiência mais rica e memorável.

Essa forma de relacionamento, reflete a ideia que se você quer que as pessoas se importem com você com sua ideia, problemas e resultados, primeiro você deve se importar com elas, conectando a regra ouro da conivência, a reciprocidade. Para que os líderes consigam aumentar a motivação e envolvimento das pessoas que lideram, é imprescindível que se preocupem com a segurança e bem-estar das equipes, pois como diz Paul Zak, especialista em neurogestão, quando tratamos bem as pessoas, o cérebro delas irá sintetizar um maior nível de ocitocina e isso vai motivá-las a retribuir. Aumentando assim os níveis de envolvimento e engajamento com os objetivos e resultados.

Conclusão

Essas ideias podem até não ser a solução de todos os problemas. Contudo ao aplicá-las construiremos empresas mais sólidas e duradouras e também pessoas mais envolvidas e motivadas. Pois foi exatamente isso que vi uma sociedade unida e forte com pessoas que apesar de não possuírem as condições básicas de uma moradia digna com água potável, demonstravam uma alegria e bem-estar pela vida. O que talvez nem com toda a condição e recurso no mundo as pessoas conseguiram alcançar, sem antes existir uma transformação dos valores que balizam as nossas decisões e escolhas e a filosofia de como devemos conviver em sociedade.

Autor: Daniel Fünkler Borelli

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