Assunto: Gestão de Pessoas e Comportamento                                                             Tempo de leitura: 08 minutos

As empresas imprimem grande foco no aperfeiçoamento das perspectivas de planejamento, produtos, serviços e processos. Contudo outro aspecto, que também integra as organizações e, está cada vez mais tendo sua importância, são as pessoas. O seu atual salto de relevância está relacionado à saturação de modelos de produção utilizados pela maioria, que envolve basicamente o Sistema Toyota de Produção e seus modelos KANBAN, JIT (Just in Time), Kaizen e Lean Manufacturing. Também os sistemas de gestão que convergem em grande parte para o modelo PDCA (Planejar, Fazer, Verificar e Aprender), criado na década de 20 por Walter Andrew Shewart, um físico americano e, popularizado na década de 50 pelo professor William Edwards Deming, também americano, conhecido como o pai do sistema da qualidade.

Em decorrência da disseminação desses modelos no mercado, houve a ampliação da concorrência entre as empresas. Que atualmente, já não apresentam grande diferencial competitivo pois as próprias empresas, seus processos, produtos e serviços estão cada vez mais semelhantes uns aos outros.

O mercado acirrado de produtos e serviços, o aumento da renda per capita da população mundial e o crescimento da disponibilidade da internet através de redes de distribuição e equipamentos como smartphones, contribuíram para que empresas que trabalhavam com o conhecimento se diferenciassem e ganhassem espaço no mercado tornando-se as empresas com as marcas mais valiosas do planeta. Em 2020, segundo a Forbes, entre as 10 maiores, 6 são da área de tecnologia e, entre elas, estão a Apple, a Google, a Microsoft, a Amazon e a Facebook, de 1º a 5º, respectivamente, e a Samsung em 8º. Para obter diferenciais e ganhos mais atrativos, essas e outras empresas que têm no capital intelectual o seu principal ativo, estão demandando maior conhecimento sobre e como os elementos de motivação, bem-estar, felicidade, produtividade e criatividade dos funcionários acontecem e como podem impactar nos resultados das organizações.

Com isso, a dimensão pessoas e seus impactos nas organizações ganhou espaço e tornou-se um dos assuntos que mais apareceram em estudos. A prova está no crescente número de autores, consultores, palestrantes, cursos e especializações que abordam esses temas. Conhecer as pessoas firmou-se como algo essencial e sua importância é traduzida por Simon Sinek, especialista em liderança, escritor, palestrante e referência no assunto com o vídeo mais visualizado na plataforma do TED, na frase:

“100% dos clientes são pessoas. 100% dos funcionários são pessoas. Se você não entende de pessoas, você não entende de negócios.”

Despreparo das lideranças

Por se tratar de uma dimensão mais subjetiva do que objetiva e abranger temas como relações interpessoais, empatia, inteligência emocional e autodesenvolvimento, as pessoas que atuam na função de líderes e gestores evitam envolver-se. Por sua vez, esse distanciamento físico e emocional por parte dos gestores em relação às pessoas que lideram, traz como consequência o problema exemplificado em pesquisa divulgada pela VC S/A, onde 7 em cada 10 pessoas não confiam em seus líderes. Essa dificuldade enfrentada por pessoas que exercem funções de liderança pode ser observada quando, por exemplo, há necessidade de dialogar com o funcionário para dar retorno sobre seu desempenho, delegar tarefas, promover de cargo ou realizar um desligamento.

Em pesquisa realizada pela Page Personnel com 1400 executivos de recursos humanos foi apontado que nove em cada dez funcionários são demitidos por aspectos comportamentais. O que pode estar relacionado à falta de capacidade dos próprios gestores em conduzir e auxiliar pessoas que apresentam dificuldades comportamentais. Demonstrando que a falta de envolvimento, proveniente do despreparo e desconhecimento de práticas de gestão de pessoas, pode estar relacionada aos motivos de demissão das empresas.

Outro ponto que apresenta justamente os impactos do desconhecimento de líderes e gestores das condições necessárias para estabelecer maior grau de bem-estar e satisfação dos colaboradores é evidenciado por problemas que estão afetando a saúde das pessoas. Conforme dados divulgados em 2017 pelo Ministério da Saúde do Brasil, a terceira causa de incapacidade no trabalho são os transtornos mentais, que estão comprovadamente relacionados às condições de grande estresse no ambiente de trabalho que envolvem carga horária elevada de trabalho, exigência de desempenho além do possível, situação de insegurança laboral ou assédio psicológico, moral ou sexual.

O número expressivo de trabalhadores acometidos de transtornos como depressão, ansiedade, apatia, culpa, descontentamento geral, desesperança, perda de interesse, solidão, sofrimento emocional, choro excessivo, irritabilidade e isolamento social, estão fazendo as empresas a preocuparem-se e investirem cada vez mais em programas de satisfação, bem-estar e felicidade do funcionário. O que pode ser observado pelo aumento do número de empresas que buscam premiações relacionadas ao tema. Por exemplo, a oferecida pela consultoria global Great Place to Work, que apoia organizações na obtenção de melhores resultados por meio de uma cultura de confiança, alto desempenho e inovação, onde o número de empresas inscritas saíram de 281 em 2000, passaram para 774 em 2010 e alcançaram a marca de 3168 em 2020.

Mas, por que mesmo com a maior disponibilidade de materiais como livros, artigos e palestras sobre temas que abordam a importância do bem-estar e felicidade frente a todos os outros, os líderes e gestores destas organizações persistem com condições que provoquem o desconforto e adoecimento das pessoas? Isso pode estar relacionado, como relata Simon Sinek, a grande pressão existente do mercado financeiro, acionistas e concorrência intensa nas grandes e médias empresas e, ao esforço superior exigido das pequenas empresas para manter as portas abertas. Bill George, professor da Harvard Business School e ex-executivo da empresa Medtronic, avalia que muitos líderes poderosos do mundo dos negócios se curvaram à pressão do mercado de ações para obter ganho pessoal.

Essa pressão do ambiente externo por resultados financeiros é transferida com maior força pelos executivos e gestores aos colaboradores através de objetivos e metas ainda maiores. E, ainda, utilizam-se de um modelo de gestão de comando e controle do medo, exercido a partir da punição e recompensa, fomentando um clima de maior competitividade entre as pessoas e equipes de trabalho.

Ambientes desta natureza fazem com que pessoas se desengajem cada vez mais. Principalmente das gerações chamadas de millennials, público cada vez maior no mercado de trabalho, que não vêem o trabalho como uma forma de necessidade de sobrevivência, mas sim de realização e satisfação. A pesquisa Millennials – Unravelling the Habits of Generation Y in Brazil feita pelo banco de investimento Itaú-Unibanco estimou que a geração millennials deva chegar a 70% da população da força de trabalho brasileira em 2030.

Preço do desengajamento

Essa mudança do significado do trabalho, o adoecimento mental, o despreparo por partes dos gestores e líderes e o objetivo único das empresas de obter lucro a qualquer custo, está refletindo no clima organizacional, na falta de inovação e, por consequência, nos seus resultados. Segundo relatório de 2018, do Instituto de Pesquisa Gallup, sobre o estudo do ambiente de trabalho global, somente 13% dos funcionários estão comprometidos com seu trabalho. Em publicação de James K. Harter e Arthur A. Stone, observou-se que pessoas com alto engajamento são aproximadamente 9% mais interessadas pelo trabalho do que pessoas com baixo engajamento e, portanto, são mais produtivas.

O impacto deste desengajamento foi pesquisado pela AON Hewitt, em mais de 5 mil organizações e 5 milhões de empregados, que estimou um custo médio para uma organização de $10.000 dos lucros anuais por funcionário. Dados mais atuais e específicos do Brasil foram apresentados por Brian Heap, diretor da Gallup no Brasil, no congresso CONGREGARH/2015, promovido pela ABRH-RS, onde afirmou que o desengajamento custa às empresas brasileiras de R$100 a R$120 bilhões por ano.

Como menciona o ex-vice-presidente do Linkedin e do Google, Fred Kofman, “Lucros fortes não vão se suportar sem relações interpessoais e comprometimento pessoal igualmente forte.”. Escolher um ambiente onde o lucro é a finalidade e, não uma consequência do resultado de ações planejadas e, posteriormente, executadas, é tornar a cultura do “DES” – descomprometimento, desinformação, desrespeito, desilusão e, principalmente, desconfiança – a palavra de ordem.

Condições como estas criam um ambiente de constante conflito entre as pessoas que, invariavelmente, acaba em discussões regadas a insultos e ataques pessoais. Corroborado por pesquisa realizada pela CPP Inc. que perguntou para 5.000 funcionários na Europa e na América qual era o impacto dos conflitos no ambiente de trabalho. Nesta, os resultados mostraram que 27% dos entrevistados relataram que os conflitos acabam com insultos e ataques pessoais e, 25% deles ficam doentes e afastam-se do trabalho. Também apontou que, para 21% os conflitos geraram sentimento de desmotivação e para 18% de raiva/frustração. Esses números são preocupantes já que em média o brasileiro gasta 1,9 horas do seu dia com conflitos no local do trabalho. Esse intenso embate impacta diretamente a satisfação e o comprometimento das pessoas.

Conclusão

Por tudo isso, aprofundar e difundir temas, que envolvem a dimensão pessoas no ambiente organizacional e abordem os aspectos pertinentes para que os colaboradores sejam mais engajados e motivados, são ações imprescindíveis para mitigar os problemas. A falta de conhecimento e preparo dos gestores, líderes, executivos e empresários para a condução da gestão de pessoas de modo humano, inclusivo e afetivo, atendendo à nova realidade social e econômica que se apresenta, impedem que a inovação e competitividade surjam. Ao tratar essa lacuna, será possível evitar que a improdutividade o adoecimento psicológico das pessoas no ambiente laboral, tragam impactos negativos tanto para a saúde financeira da empresa quanto para a saúde biopsicossocial do funcionário e, acima de tudo promover as condições de engajamento e comprometimento que a inovação necessita para se desenvolver.

Autor: Daniel Fünkler Borelli

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