A partir deste mês no dia 26 entra em vigor a nova versão da NR-1, com foco nos riscos psicossociais. Com exceção de técnicos e engenheiros de segurança e gestores da área de RH, é provável que você nunca tenha ouvido falar da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). Essa norma faz parte do conjunto de regulamentações criadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego para garantir a integridade física e mental dos trabalhadores. Ela define as obrigações legais de empresas e empregados, estabelecendo diretrizes para a criação de ambientes de trabalho seguros e saudáveis.

Por que a mudança com foco nos riscos psicossociais se tornou um ponto específico na norma?

Isso aconteceu porque doenças como ansiedade, burnout, estresse e depressão já são, desde 2017, a segunda principal causa de afastamento do ambiente de trabalho. No último ano, houve um aumento expressivo de 60% em comparação a 2023, atingindo 472 mil casos.

https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml

Conforme explica a coordenadora-geral de Fiscalização em Segurança e Saúde no Trabalho, Viviane Forte, a atuação das empresas deve abranger não apenas os riscos físicos, mas também incluir os riscos psicossociais em suas práticas de saúde ocupacional e no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR):

“Os empregadores devem identificar e avaliar riscos psicossociais em seus ambientes de trabalho, independentemente do porte da empresa. Caso os riscos sejam identificados, será necessário elaborar e implementar planos de ação, incluindo medidas preventivas e corretivas, como reorganização do trabalho ou melhorias nos relacionamentos interpessoais. Além disso, as ações adotadas deverão ser monitoradas continuamente para avaliar sua eficácia e revisadas sempre que necessário,”

As Principais Alterações da NR-1

A NR1, Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, tem como finalidade definir regras gerais, determinar a quem se aplica, padronizar os termos e conceitos usados nas demais Normas Regulamentadoras, além de estabelecer diretrizes e exigências para o gerenciamento de riscos ocupacionais e para a adoção de medidas preventivas em SST (Saúde e Segurança do Trabalho).

A NR-1 passou por atualização recente, com mudanças significativas especialmente nas definições contidas no Anexo I e no item 1.5, que trata do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Entre as mencionadas alterações, destacam-se:

1.5.3.1.4 – Ampliação dos riscos considerados no GRO

O gerenciamento de riscos ocupacionais passou a abranger não apenas os riscos decorrentes de agentes físicos, químicos e biológicos, mas também os riscos de acidentes, os riscos relacionados a fatores ergonômicos e, de forma inédita, os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho, como assédio moral, sobrecarga e estresse ocupacional.

1.5.3.2 – Inclusão do dever de eliminar perigos

A nova redação exige que a organização evite ou elimine os perigos ocupacionais em vez de apenas controlar ou minimizar riscos. Essa mudança reforça a abordagem preventiva, atuando na origem do risco.

1.5.3.3(a) – Participação e capacitação dos trabalhadores no GRO

Passa a ser obrigação da organização proporcionar noções básicas sobre gerenciamento de riscos aos trabalhadores, promovendo sua participação efetiva no processo e fortalecendo a cultura de prevenção.

1.5.4.2.1.1 – Levantamento preliminar com foco em riscos evidentes

Introduz a obrigação de identificar, no levantamento preliminar: situações em que é possível eliminar ou evitar perigos; e riscos ocupacionais evidentes, que exigem medidas imediatas de controle ou redução

1.5.4.2.1.3 – Tratamento de riscos não controláveis de imediato

Quando não for possível controlar riscos evidentes imediatamente, a norma determina que esses riscos sejam registrados no inventário de riscos e incluídos no plano de ação, garantindo acompanhamento.

1.5.5.5.2(b) – Inclusão de dados dos trabalhadores nas análises

Nas análises de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, é obrigatório considerar dados fornecidos pelos trabalhadores, além de informações organizacionais e dados epidemiológicos, garantindo escuta ativa e abordagem mais ampla.

O Anexo I da NR-1 foi significativamente ampliado e atualizado, com a inclusão de novas definições que reforçam a compreensão técnica do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Além das já coitadas existe a documentação dos critérios técnicos utilizados no GRO – 1.5.4.4.2.2, a revisão do gerenciamento de riscos a pedido da CIPA ou dos trabalhadores – 1.5.4.4.6(f), a participação na avaliação da eficácia das medidas de prevenção – 1.5.5.3.2(d), a obrigatoriedade de exercícios simulados de emergência – 1.5.6.3 e 1.5.6.3.1, o direito de acesso ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) por sindicatos e trabalhadores – 1.5.7.2.1, e a regulamentação mais clara do gerenciamento de riscos nas relações de prestação de serviços a terceiros – 1.5.8.

Os Riscos Psicossociais e Seus Impactos

Os riscos ocupacionais vão além dos aspectos físicos, como quedas ou exposição a agentes químicos. Atualmente, é amplamente reconhecido o impacto significativo dos fatores psicossociais na saúde e segurança dos trabalhadores. Esses riscos decorrem do design e da gestão do trabalho, do ambiente laboral, das interações e comportamentos no local de trabalho, podendo causar danos psicológicos, mesmo que não estejam associados a danos físicos ​

Entre os principais riscos psicossociais identificados estão:​

As consequências desses fatores podem ser observadas em diferentes sinais de alerta:

Físicos: fadiga constante, dores musculares, distúrbios do sono.
Emocionais: irritabilidade, desmotivação, ansiedade e esgotamento (burnout).
Comportamentais: queda de produtividade, aumento de faltas ou atrasos, isolamento social.

A gestão eficaz dos riscos psicossociais é fundamental para promover ambientes de trabalho saudáveis e produtivos. Isso inclui a identificação, avaliação e controle desses riscos, além do monitoramento contínuo das medidas implementadas. A consulta e o envolvimento dos trabalhadores nesse processo são essenciais para garantir a eficácia das estratégias adotadas.

O Papel do Líder na Prevenção e Ação

Mais do que cumprir uma norma, o líder tem a responsabilidade social e humana de criar um ambiente onde os colaboradores se sintam seguros, engajados e saudáveis. A NR-1 estabelece diretrizes para a prevenção de riscos, mas sua real efetividade depende de uma liderança presente, que atua na raiz dos problemas e promove o bem-estar das pessoas.

1. Criação de um Ambiente Seguro e Acolhedor

  • Incentivar um ambiente de escuta ativa, onde os colaboradores possam expor dificuldades sem medo de julgamentos.
  • Normalizar o diálogo sobre saúde mental, reduzindo estigmas.
  • Promover a segurança psicológica, onde erros são vistos como parte do aprendizado.

2. Monitoramento Contínuo

  • Pesquisa de Clima Organizacional: mede a percepção dos funcionários sobre o ambiente de trabalho.
  • Absenteísmo: afastamentos constantes, atrasos e faltas.
  • Mudanças comportamentais: isolamento, irritabilidade e insatisfação frequente.
  • Presenteísmo: queda de produtividade, perda de prazos, descaso com problemas e baixa qualidade nas entregas.
  • Conversas individuais: espaço estruturado para entender como cada colaborador está lidando com sua rotina pessoal e profissional.

3. Atuação Preventiva com Base na NR-1

  • Identificar as atividades de maior risco, tanto físico quanto emocional.
  • Implementar medidas preventivas, como pausas regulares, equipamentos adequados e políticas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
  • Envolver a equipe no processo de análise de riscos e construção de soluções, criando senso de pertencimento e responsabilidade compartilhada.
  • Conversas Individuais (One-on-One), encontros regulares para identificar sinais de desgaste.

4. Capacitação e Desenvolvimento Contínuo

  • Treinamentos em segurança: além dos obrigatórios, aqueles voltados ao bem-estar emocional.
  • Desenvolvimento de habilidades emocionais: capacitações sobre inteligência emocional, resiliência, adaptabilidade e gestão de conflitos.
  • Diálogo da Liderança: formação para gestores sobre comunicação assertiva, escuta ativa, confiança e segurança psicológica.

5. Cultura Organizacional e Engajamento

  • Reconhecimento e Valorização – Incentivos e programas de reconhecimento como premiações conectado aos valores, esforços, e entregas pontuais das pessoas e equipe.
  • Gestão por Propósito – Vincular o significado do trabalho e aos valores e missão da empresa.
  • Feedback Positivo – Construção de um dialogo de agradecimento e parabenização das tarefas e atividades do trabalho.
  • One-on-One (Conversas Individuais) – Criar um espaço para que colaboradores possam expressar preocupações.

6. Disponibilizando Recursos de Apoio

  • Programa de apoio psicológico: parcerias com psicólogos e terapeutas, e/ou programas de assistência social ao colaborador.
  • Canais de registros: Ter um local não de denuncia e nem de retaliações, mas um canal que a pessoa possa relatar seu desconforto e dor sem exposição com posterior encaminhamento.
  • Canais de escuta: espaços seguros para denúncias e relatos de dificuldades.
  • Flexibilização da jornada: modelos de trabalho que permitam um melhor equilíbrio entre demandas e saúde.
  • Educação financeira: processos educacionais e de orientação sobre finanças pessoais.

EPIs para Riscos Psicossociais

Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são amplamente conhecidos na prevenção de riscos físicos no ambiente de trabalho. No entanto, quando se trata da saúde mental e emocional, a proteção deve ir além de capacetes e luvas. EPIs para riscos psicossociais incluem práticas, políticas e ferramentas que ajudam a reduzir o estresse, promover a segurança psicológica e fortalecer o bem-estar dos colaboradores.

O Custo de Ignorar os Riscos

Negligenciar a saúde integral dos profissionais tem impactos graves. Além das multas e sanções legais previstas na NR-1, há consequências diretas para o clima organizacional e os resultados da empresa.

Um estudo de 2023 da FGV e Grupo Talenses revelou que 49% dos profissionais brasileiros estão insatisfeitos com seu ambiente de trabalho. Paul Ferreira, professor da FGV EAESP e responsável pelo estudo, afirma:

“A falta de equilíbrio entre vida profissional e pessoal indica que as pessoas talvez estejam enfrentando quadros de estresse e excesso de demandas dentro de suas empresas. Já a camaradagem, que tem boas notas, é um atributo 100% brasileiro, que deixa claro que os brasileiros são mais coletivos e gostam de fazer amigos no trabalho”

Isso reforça a necessidade de ação das empresas não apenas por obrigação legal, mas também por um fator econômico. Ambientes tóxicos e inseguros aumentam a rotatividade, afastamentos e absenteísmo, impactando diretamente:

Queda da Produtividade – Sobrecarrega os funcionários que permanecem
Piora na qualidade e entrega dos produtos e serviços – Atrasos e erros aumentam
Queda do Faturamento – Insatisfação do clientes provocando perda de mercado
Custos operacionais – Desperdícios com gastos com gestão de pessoas e correções dos problemas de qualidade e entrega.

Não se trata de uma única mudança

A adequação à nova NR-1 é um passo importante, mas não é a única mudança que as empresas precisam considerar. Existem outras legislações que também impactam a gestão da saúde mental no ambiente de trabalho.

 Lei 14.831/2024 – Vigente desde 27 de março de 2024, essa lei institui o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, que reconhece empresas que implementam ações efetivas para promover o bem-estar psicológico de seus colaboradores.

 Lei 14.457/2022 – Criada para garantir ambientes de trabalho mais seguros, essa lei estabelece novas diretrizes para proteger a saúde física e mental dos trabalhadores. Seu foco é promover a igualdade de oportunidades, especialmente para mulheres, e assegurar que o ambiente profissional seja livre de assédio moral e sexual.

Liderar é cuidar

A NR-1 nos lembra que o trabalho deve ser um espaço de desenvolvimento e não de adoecimento. Cabe aos líderes serem os principais agentes de transformação, utilizando as normas como aliadas para construir ambientes saudáveis.

Líderes que priorizam o bem-estar criam culturas organizacionais sólidas, com times mais engajados, produtivos e inovadores. Para isso a liderança precisa compreender que no fim das contas, é um ato de cuidado. E quando cuidamos genuinamente das pessoas, os resultados vêm como consequência natural.

Autores:
Marcus Vinicius Baratieri & Daniel Fünkler Borelli

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